Às 22h o tempo parou.
O som do contrabaixo começa a tocar, baixo e violento, e uma voz eleva-se entre os toques de um piano moribundo.
“And I built a home for you, for me...”, canta.
O tempo continua parado.
A sala está imersa numa luz lúgubre.
O som propaga-se, acorda a pele e apaga os últimos vestígios de um presente que deixa agora de existir.
São 22h e eu olho-te.
Penso nas cartas que nunca leste e nos lençóis brancos que estendi na cama.
Não te consigo tocar pois temo a vontade que me irá oferecer.
O meu corpo pede-te, anseia-te e despe-se de vazios.
Procuro-te nas palavras que todos os dias te escrevo e nos corpos que escolho sentir.
És o meu pecado, a minha sede e o meu coração que, já enfraquecido, bate por ti.
“That song is singing, singing in to me slow and sweet. It carries me out to sea and swallows me in to the deep and comforts me…” – continua a música e a voz e o som dilacerante consome-me a carne.
Quero-te! E porque não? Porque me forço a não te ter hoje e agora?
Em silêncio e, através da hora que não passa, te digo: “constrói a minha casa”
E em silêncio e, através da hora que não passa, respondes: “destrói os lençóis brancos”.
A música parou, as palmas abrem-se altivas e desconcertantes e, entre os beijos que não são dados e as mãos que não são cruzadas, te agarro o coração.
São 22h e tu olhas-me.
Enquanto o barulho das mãos aquece e o palco se apaga, calas-me e levas-me o corpo.
Nas ruas e paredes assinadas encostas e seguras-me a cara num beijo sôfrego.
A fome seca-me o estômago e nos minutos que continuam sem passar, morro devagar.
Perdes-te nos meus olhos e nos beijos que se consomem.
Morres comigo e, nas palavras que escolhes não dizer, envenenas-me a razão.
Queres-me!
Em silêncio te digo: “destruí os lençóis brancos”
E em silêncio me respondes: “construí a tua casa”.
São agora 22h05.